segunda-feira, 24 de setembro de 2012

De sins e nãos

Mas não vai embora agora
Não enquanto ainda há algum vinho nas nossas taças
A radiola está tocando a penúltima música
e é doce estarmos juntos

Fica mais um pouco
Talvez você queira ver o jogo, fumar um charuto
Espalhar um creme viscoso nas pernas
e rastejar em busca do gato que se aninha aos pés da poltrona

Por que tão cedo?
A lenha da lareira não deixou de estalar
O ranger da janela ainda se faz ouvir no quintal
e a árvore que plantamos sequer floresceu

Mas se queres,
Embora a mesa posta,
Apaga a chama da vela que nos alumia
e segue sem lembrar de antes.


Tali que, sem sono, encontrou no Devaneios um abraço afetuoso. 

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Texto endereçado a ninguém

Hoje quis escrever um texto endereçado a ninguém. Um texto cheio de nuances e de indiretas, boas e más. Um texto com verdades. Escritas da forma mais sutil possível. Um texto sem coragem de ser dito aos quatro ventos, nem de se manter calado. Um sentimento que é secreto, mas fofoqueiro. Uma decepção que é viva, mas lacônica.

Esse texto teria outras palavras queridas. E algumas doloridas. Seria doce nos termos e amargo no sentido. Seria um abraço com um grito no ouvido. Um aperto de mão que dói. Um beijo pós-café. Seria até Augusto dos Anjos, mas com mais Anjos do que Augustos. Viria num papel velho, mesmo sendo recente. Não seria assinado por falta de necessidade. Não seria endereçado porque não ia haver mais de uma carapuça a se vestir.

Esse texto está mais ou menos escrito no meu pensamento. Está mais ou menos escrito em um blog. Mas está muito mais escrito na minha pele, que ardeu até virar cicatriz e, por não ter endereço, ficou com o dono.

Lucas.

domingo, 5 de junho de 2011

Coffee Break

Era um sábado meio morno e parcialmente amargo, com no máximo uma colher de chá de açúcar. A mesinha de esquina daquela cafeteria era a minha favorita, e de vez em quando, por ventura, eu parava lá, mas não naquele dia. Havia um casal que discutia aos berros e que me fez pensar se é melhor ser servido quente ou gelado.

Lembro bem que a moça gritava incontrolavelmente, como se tivesse bebido 1400 mg de cafeína. Dizia saber que ele passeava com outra menina e que ela era mulata, dengosa e cheirosa. Lembro também de ele se desculpar dizendo que era só uma amiga, que o mais próximo que chegaram foi algo como um aperto de mão e meio abraço. E aí que aconteceu a monstruosidade. Em um surto que, de certo, foi desesperado, a moça pegou com vontade uma xícara que eu conhecia a muito tempo e jogou contra a parede, despedaçando uma antiga amizade minha.

Olhando aquilo tudo de meu pires de porcelana, me coloquei a pensar como os humanos são mesquinhos. Eu mesma já tinha passado por muitas lavouras. Centenas de pessoas já tinham colocado em mim a boca e bebido com prazer o café que eu proporcionava. Isso nunca diminuiu o deleite em seus olhos e o suspiro que exalavam. Era por isso que eu me perguntava por que tantos clientes insistiam em ter um outro só pra eles. Mas, depois de tanto refletir entre uma bandeja e outra, eu consegui colher uma resposta.

Os humanos tem um buraco profundo. Um tão vasto vazio, que eles precisam encher com alguma coisa e, muitas vezes, essa coisa é alguém. De repente, eles começam a achar que precisam desse par para ser um só; e esquecem que eram um só antes disso. É um problema que ando chamando de “O outro sou eu”. É uma ideia tão maluca que tenho até vergonha de vir aqui compartilhar.

Outro dia eu descobri que os próprios humanos sabiam do que eu estava falando. Eles usam palavras diferentes para falar sobre isso: ciúmes, traição e fidelidade. Sempre com um “meu” antes de tudo, falavam “meu namorado e amante”. Até hoje, acho graça disso. Continuo eu aqui, completando o meu vazio com café e servindo as bocas repletas de outras línguas. E os humanos continuam lá, enchendo o vazio com apenas um alguém, que vai embora depois.

Lucas, em conto/crônica para cadeira de Redação Jornalística 4.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Neuro-exército

Existem aquelas dores que não perecem. Que marcham ao nosso lado, convidando-se a tomar o arbítrio, quando assim for conveniente. Essa autoridade é um trauma de infância ou trauma de adulto. É algo que foi, ou alguém que foi, ou até um tempo desaparecido ou uma grande decepção. Sempre há esse anti-herói que está pronto para nos colocar em situações que nos deixam sem mãos, ou braços ou pernas. E sem cabeça.

E, por mais arteiros que sejam os marinheiros do meu navio, e todos os motins que a anarquia lhes permite, são eles, que a meu mando, navegam dois ou três oceanos repletos de marinhas monstruosidades e intemperanças pluviais. Minhas dores e medos são meu exército, que diariamente deseja assumir o controle de meu Estado. E para cada soldado das minhas faculdades mentais, e cada guerreiro de minha sentimentalidade, dou um bom dia dedicado, mostrando todos os dentes, oferecendo um pedaço de pão do meu café da manhã.

Porque eu sei, que ao final do dia, quando eu estender meu corpo em um leito duro ou macio, são esses mesmos soldados que me fazem dormir em paz na dor. Ou, até mesmo, em dor na paz.


- Dedico esse texto ao meu pai, que é a maior saudade que eu sinto na vida.


Lucas.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Guernica




As pessoas me costumam ser telas em branco.
Eu, completamente manchada pela vida, como alguém saída de um campo de paintball,
tento deixar meus olhos e a minhas mãos limpas,
para quando vir alguém inédito, poder fazê-lo sem macular a pretensa inocência
e virtude que cada um carrega.

O problema é que atualmente eu tenho me defendido com as palmas das mãos abertas,
protejendo os meus olhos. E aí, vai ser preciso muito para enxergar cada nova tela
sem o ardor da tinta na vista, sem sentir meus vermelhos sofridos ao tocar.

Cada vez mais meus quadros me vêm pintados com as mesmas cores que colorem
todo mundo e que me atingem. E essas não são cores bonitas.
Me sinto numa galeria de Guernicas nesse mundo, com tanta gente assustada,
com cores tão feias. Meus quadros me vêm cada vez mais Guernicas,
meus quadros eu nao consigo pintar.
Nina

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Aridez

"Assim como as atividades de ler e escrever, quando em excesso, são prejudiciais ao pensamento próprio, as de escrever e ensinar em demasia também desacostumam os homens da clareza e profundidade do saber e da compreensão, uma vez que não lhes sobra tempo para obtê-los. Com isso, quando expõem alguma idéia, a pessoa precisa preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento. É isso, e não a aridez do assunto, que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediante. Pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido".


Schopenhauer, sobre a arte de escrever.


Desde já, fica a dica.



quarta-feira, 9 de março de 2011

17 de janeiro

"Me alinhei ao lado dos humildes e descobri que não era bastante humilde para ficar junto deles, falsa a minha curvatura, falso o despojamento.

Me alinhei ao lado dos fortes e vi que não era suficientemente forte para sustentar por mais tempo aquela arrogância, representava planar sobre os outros porque acreditei que assim não seria esmagada pelo rolo compressor.

Teria que subir acima desse rolo, pisar nele - Ah, Meu Deus, mas era isso que eu queria? Não, também não era isso.

Quis ficar só para ser verdadeira, agora queria apenas ficar só e então sonhei que era uma rainha num coche desgovernado, em vão chamei por alguém que eu sabia por perto, onde? E o coche rodando para trás, para os lados, sem cavalos e sem cocheiro.

Consegui descer e encontrei uma gata cor-de-mel com seu gatinho, me aproximei enternecida, e o pai? Perguntei e apareceu um leão de juba desgrenhada e olhar de pedra. Corri, tinha uma mulher na casa mas a mulher gesticulava e não podia fazer nada enquanto o leão ia fechando o cerco, acordei com as pisadas na retaguarda.

Mas quem me detesta tanto assim para me atacar até no sono? Quis saber e nesse instante vi minha imagem refletida no espelho."

metáforas de lygia fagundes telles para yuri assis