terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Revisitando

Aí que nos últimos três dias ando tendo insônias inexplicáveis, de deitar com sono à noite e conseguir dormir apenas na aurora do outro dia. Atravesso quatro ou seis horas de escuro, lembrando das pessoas que já estiveram perto, mas que agora são fragmentos de alguma coisa chamada saudade. Sem saber se essas memórias me acompanham ou se são o que me mantêm acordado, lido com o agravante da dúvida. Depois de muito lutar contra o esforço do meu corpo em desobedecer a minha vontade, adormeço. E sonho com todas aquelas pessoas que me visitaram em pensamento, por tantas horas. E elas parecem estar vivas, tão reais e espontâneas, roubando minha atenção por longas conversas. E, como em uma queda de sinal da operadora de celular, a nossa conversa cessa com meu despertar. E me acordo sentindo que fiz uma pequena volta ao passado, num intervalo que eu queria que fosse maior, mas que, por vezes seguidas, parece que pude escolher tê-los. As pessoas, os lugares, os momentos. E agora, depois de 72 horas, e poucas destas dormidas, não consigo negar que quando olho para o meu quarto, no meio daqueles armários, aparelhos, quadros e revistas jogadas, vejo uma máquina do tempo, que me deixa revisitar-me todos os dias, às migalhas.



Lucas.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Guia Interior




(...)

Nós podemos percorrer o mundo à procura da sabedoria, encontrar todo o tipo de sábios, seguir todo tipo de trabalho espiritual, yoga ou meditação. Nada disso serve à grande causa se não se tivermos tido contato com o guia interior. Nós todos temos o nosso, discreto, prudente, infalível, mas é preciso que nós ofereçamos a ele a nossa confiança, que é de longe a única coisa que ele exige de nós. Feito isso, ele não nos trai jamais.

Esse guia é o gosto.

Se entregar a ele é correr o risco de não se decepcionar jamais.

- Mesmo no amor?

- Sobretudo no amor.



Nina, traduzindo o texto Guide Interieur, do livro Petit Eloge du Sensible, de Elisabath Barillé.


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Vampiro banguelo


Minha mãe, sempre com manobras para instaurar em mim bons costumes, como escovar os dentes, fazia uma careta que eu considerava assustadora e dizia com voz tenebrosa:

"eu sou o vampiro banguelo"

e eu meio que me compadecia do vampiro banguelo , que ele não tinha amigos ou namorada, e conversava com ele. Porém, nesse dia eu não aguentei. estava num momento de estresse, depois de ver a clássica novela Vamp, e o vampiro querendo interagir, eu chorei e disse:

"mas não! não! eu não quero vampiro banguelo! eu quero o príncipe banguelo!"

e minha mãe saiu de sua fantasia e chorou de rir e a veia dela apareceu e eu chorei, chorei, porque não era possível aquela chacota, do que é que ela ria?!

No que ela me diz "hahaha, Nina, não adianta, príncipe banguelo, vampiro banguelo, é tudo a mesma coisa. Você tem é que ir escovar o dente."

E eu fiquei sem entender, ainda com medo de ela fazer o vampiro banguelo (tinha medo de vampiros e palhaços).

Odeio vampiros.
Ainda mais os banguelos.

Nina.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Amor Lévyano

Nize Pellanda: O amor, [Lévy suspira e os entrevistadores riem] banido da ciência clássica, como atrapalhador do conhecimento, volta na sua obra, e também na de outros cientistas complexos, como categoria cognitiva fundamental. O que você poderia dizer sobre isso?

Pierre Lévy: Nize, agradeço muito por me fazer essa pergunta [risos]. Mais uma vez, temos de recorrer à experiência pessoal. É impossível compreender realmente alguém, um ser humano que está à nossa frente, sem amá-lo. Quando amamos alguém, tentamos nos colocar em seu lugar, entender seu interior, aproximamos nosso coração do coração dele e o entendemos. Há uma profunda relação entre conhecimento e amor. Entre duas pessoas, é evidente. Mas, mesmo em termos científicos, quando vemos a forma pela qual os entomologistas estudam formigas ou abelhas, se eles não as amassem, será que poderiam passar anos e anos estudando-as? Quando queremos conhecer uma coisa é porque a amamos. A relação entre conhecimento e amor é muito profunda. Eu diria também que, no plano filosófico, é algo que iria requerer longas explanações, mas, no fundo, o que é pensamento? Deleuze dizia que há uma forte relação entre pensamento e aprendizado. O pensamento não é o reconhecimento de algo que já sabemos. Temos um conceito, vemos uma coisa e, aí, tal coisa é tal conceito. Não é nada disso. É algo que antes não sabemos, que antes é caótico e incerto e que, de repente, nós produzimos. Então, produzimos um conceito, uma representação, que emerge juntamente com a percepção que temos de alguma coisa. E, por isso, temos de nos transformar. Temos, talvez, de abandonar velhos conceitos para produzir algo novo. Somos obrigados a nos tornar outra coisa. O que é aprender? É abandonar velhos reflexos, abandonar os preconceitos e penetrar em um conhecimento diferente. E isso é doloroso. É aceitar se transformar, aceitar ir em direção à alteridade. Aprender é isso. Pensar é isso. Ir em direção de outra coisa. É transformar-se, não é? Porque ser, pensar, aprender, tornar-se é a mesma coisa, não é? Somos o que sabemos, o que experimentamos. Nós nos tornamos o que aprendemos. É o movimento de ir em direção ao outro, à alteridade. O que é o amor? É ir em direção ao outro. É aproximar-se do outro, sair de si mesmo. Se quisermos ser, estando realmente vivos, temos de sair de nós mesmos ou acolher o mundo em nós, acolher o outro em nós. O amor é a mesma coisa. É ir em direção ao outro ou acolher o outro em si, tornar-se o outro. Para mim, não somente há uma identificação entre conhecimento e amor, mas, também, a identificação entre o conhecimento, o amor e a existência, a mais intensa e viva.



Pierre Lévy, em entrevista ao Roda Viva, 2001.

Porque o filósofo estará aqui amanhã e será entrevistado por Yuri. E porque disse sábias palavras sobre o amor.


Nina, tiete de Lévy.