segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Visto a roupa e vou embora...


E eu estava ali, olhando aquele homem, na minha cama, vestido com a minha cueca. Ele ia acordar jájá, ressacado, morto de sede, de fome, de dor de cabeça. Com um gosto amargo na boca, pensando como veio parar ali, de quem era aquela cama, aquele travesseiro com cheiro de alecrim. E eu estava só esperando ele dar sinais de sono leve pra fazer algo para acordá-lo e me apresentar. Oi, me chamo tal. E a gente está onde? No meu apartamento. E de quem é essa cueca?? É minha. Não se preocupe, nada ocorreu, é que eu uso cueca. Ah. Eu não lembro nada da noite passada. Eu sei, mas eu lembro.

E eu lembrava. Aquele homem lindo, bêbado, caindo. Trouxe ele em casa, ele tropeçou, tropeçou, ficou inconsciente, eu dei um banho nele, já preparando para o dia seguinte. Botei ele na cama e nem precisei ninar. Para no dia seguinte, ele estar inteiro.

As panelas já estavam fervendo, um almoço leve e cheiroso. O cheiro inundava a casa, acho que iria chegar ao nariz dele, sono leve. Ia pensar que estava na casa de uma mulher velha, boa cozinheira. Boa cozinheira, não tão velha. E ele não estava na casa, bem, bem, estava na cama.

E ele acordou. E perguntou quem eu era, eu contei a história, disse que já que havia passado a noite e não tinha comido nada, podia ficar para o almoço, já que eu havia cozinhado para dois. E ele concordou. E eu lhe ofereci uma escova de dentes e pasta. E outra cueca, para outro banho. Fui cozinhar as verduras, o peixe e as batatas. Trouxe à mesa, em dois pratos, o dele maior, o meu, menor. Ele comeu bastante, estava com fome. Perguntou se tinha mais, depois retirou a pergunta, meio tímido, eu disse que tinha bolo de chocolate para a sobremesa, um tantinho, se ele quisesse.

E ele quis. E depois disse que ia embora, mas se ofereceu para lavar os pratos, porque não sabia como retribuir tanta gentileza, obrigado por me socorrer, um bêbado, imagine o trabalho. E eu pensando “imagine o trabalho para retribuir?”

Mas eu disse a ele que daquele jeito não podia sair às ruas, que as roupas dele estavam molhadas, porque ele entrou com elas no chuveiro, então, seria bom que ele ficasse até de noite, porque ai elas secariam e ele poderia ir decente à rua. E ele concordou. E ficamos no sofá, como estranhos, vendo séries, comentários jocosos, até que ele me perguntou se eu aceitaria um cafuné de retribuição. E eu disse que claro. E dali para beijos e carinhos um passo.

Ninei ele antes de ele ir pra minha cozinha e fazer-me um jantar de ovo+queijo+cebola, não digo omelete porque não era bem isso. Era amorfo. Mas deu energia pra continuar a noite, e acordar de manhã, com cheiro de mais omelete amorfa, que é o que sustenta o amor tupperware. Não se engane. É o mais forte, para um fim de semana de bebedeira e gratidão.



Nina, em resposta ao texto http://olhosdaverdade.blogspot.com/2009/09/homem-tupperware.html, mostrado por Yuri. Promessas, Yuri, promessas. Que venham os homens tupperware!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Fatum

“Quelle est la difference entre destin et hazard, François? Sont la même chose, ces mots ?

E François percorre a sala, como seus pensamentos, pensando em como explicar isso para mim. Não que ele não houvesse entendido bem a pergunta, naquele francês fajuto meu. Ele percorria a sala e o cérebro para dar uma definição abstrata, parce que, non, n´est pas la même chose.

E François explicou, explicou, e eu não entendi não. E ele sentou com um Larousse ao meu lado, com seu cheiro de cigarro, e me mostrou que hazard é acaso, e destin é destino. E que destino é traçado, acreditam alguns, disse ele, e que hazard é aleatório.
E depois eu lembrei que hazardous é uma palavra que significa algum risco de perigo, em inglês. E todo esse jogo de palavras me fez pensar, pensar.

François me explicou da melhor maneira. Mas eu preciso é viver o acaso, o perigo, e olhar para trás e dizer se foi destino. E aí vejo se me encaixo nos que acham que le destin est guidé par le hazard ou se acredito nas inscrições de certezas estáticas que a mim não me pertencem (e se não a mim, a quem pertencem, me pergunto?).
Mas o que importa mesmo é vivê-lo - o destino com seus acasos.






















Fatidicamente,
Nina.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

âncora prum antônio

as horas eram vagas, o dia ao meio. 'antônio antônio antônio' era só nisso que conseguia pensar o tempo inteiro. aspirou um eco que entalou na garganta. 'melhor nao falar em nó. um dia tudo se salva. tudo se selva.' era ao menos admirável saber que antônio não tinha por si completo descrédito - a falsa esperança, a boa ilusão. as horas eram tão vagas, mas o dia passava. sem restos sem rastros. uma coisa assim, um tanto de impiedade. calma. não que seja tal e qual, nem tanto. pras criaturas perdidas, uma ressalva; pras vazias, um abismo, nada, sei lá. 'queria verbalizar. não consigo. como se em mim só houvesse um eco partido. estou mudo e prolixo.' nem que batesse uma punheta pra se aliviar. antônio era onde morria a voz.

yuri