sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Murs

Guilliana, do filme que vi ontem é uma mulher transtornada. Sofreu um acidente e desde então ela acha que vive em um plano inclinado. Talvez por isso ela ande tão próxima às paredes, para sentir menor a sensacao de que está caindo.

Em uma das cenas, ela diz que gostaria de ter próximas dela todas as pessoas que já a amaram. Como uma muralha. Giulliana queria que, caso caísse, tivesse de muro uma pessoa que já a amou.

Esse muro é falho, Giulliana. Você não sabe se o amor das pessoas ainda é o mesmo. Você não sabe se pode confiar na sua muralha.

Caso haja buraco nesse muro, é preciso que você tape os buracos. É preciso que fiquem os bons tijolos, as pessoas que a amam, e o vazio de sua muralha você preenche consigo, e dança ciranda. Porque amor nem sempre é proteção, nem sempre é sólido. E o seu muro de amor não pode conter você, você tem que estar contida nele.

Nina, que sugere ouvir também sobre muros "Le Murs", dos Vendeurs d´Enclumes (Vendedores de bigornas) http://vids.myspace.com/index.cfm?fuseaction=vids.individual&videoid=100616420

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Sobre caçadores e Deus

Talvez já tenha chegado a era que devemos ficar abarrotados dos caçadores de afeto. Principalmente aqueles que invisivelmente esbarram na sua própria necessidade de mostrar-se abundante dele. Propagando-se discretamente ou forçosamente, salpicam imperativos naqueles que orgulhosamente deveriam ser considerados "queridos" e não preenchedores de necessidades individuais.

Ser carente é uma natureza óbvia, psicologicamente falando. Todos nós somos. A problematização da questão é em termos de auto-controle. Uns mostram que são, outros não. E aí continuamos achando que uns são e outros não, porque é sempre a aparência que dita os juízos mesmo. E talvez por causa disso que a relação direta entre carência e humanidade esteja ainda distante de ser considerada um juízo analítico, e cá estou eu argumentando que poderia até não ser mais um juízo sintético. Mas obviamente, o é.

É apropriado que seguremos as rédeas do cavalo em que estamos montando, não deixando que ele cavalgue apenas atrás de nossas necessidades imediatas ou pueris. A construção do auto-controle é, em parte, o que distingue alguém extremamente maduro de alguém extremamente débil. E uma hora temos que parar de nos preocupar com sermos completados com pessoas, arte, funcionalidade, e passarmos a exercitar nossa suficiência em si. E, em seguida, cuidar pra que não fiquemos muito niilistas depois.

A verdade é que a concepção de um Deus onisciente, onipotente e onipresente foi elaborada pra resumir que o conceito desta Entidade é que ela é independente de tudo e de todos. E apesar de, em última instância, ser um objetivo utópico para reles mortais, chegar mais perto dessa situação é se tornar mais Deus. O convite é esse. Deus é de quem chegar primeiro.


Lucas.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

:V :)) (sábias palavras gordinhas)


Estavamos na casa de Lucas, em uma saída que uns chamariam de gastronômica, outros de acolhedora, outros de gordinha. Era tudo isso. Eu cozinhava um macarrão, Aline cortava e comia uns queijos, Lucas dizia para eu não derrubar o macarrão na pia (tolinho), e então comemos, lavamos os pratos, Yuri, que já tinha chegado, abriu a geladeira e viu três copos de nescau. Como chamam aqui, nescau = leite + chocolate, ambos em pó, diluídos em água.
Os copos tinham até filme plástico.

E tome uma discussão por que diabos aqueles copos de nescau ali, Lucas não pode levantar a bunda 2 min mais cedo e dissolver duas colheres de ninho e duas de chocolate na água? Mas eu sempre saio com pressa. e por que não comprar o nescau de caixa? porque eu não gosto.

Eu prefiro. Olha, para mim, leite vem da caixa e não da vaca porque eu não curto essas coisas organicas n. Mas nescau de caixinha vem com aquele gostinho a mais de chocolate, e como lucas não prefere aquele lá?

Ora, lucas gosta é de um nescau homemade. Um nescau como a atmosfera do dia, um nescau gastronomico e acolhedor. um nescau com gostinho desses que a mãe te prepara e te leva na cama, para voce comecar bem o dia.

eu sonhei com essa historia do nescau.
era o seguinte
aline, yuri e eu estavamos em um supermercado comprando os ingredientes para fazer o nescau homemade, e eu comecei a dizer que na verdade o nescau era um exemplo de como nós precisamos fazer manobras para colocar na nossa vida tão corrida um pouco de calma, um pouco do carinho da mãe na cama. e isso, do nescau, sua composicao, na verdade era uma grande crônica da vida moderna.
era mais ou menos isso.

Lucas é um lutador. Lucas tenta enfiar um pouco menos de instantaneidade na sua vida. Mas tem gente que não compreende. Tem gente que acha que aqueles nescauzinhos na porta podem muito ser substituidos por um de caixinha. atualmente, até a vitamina de banana pode ser comprada em potinhos, caixinhas, tudo por aí, pela rua. adeus liquidificador.

Eu entendo, Lucas, que você tem pressa, mas não quer perder de tudo, e mais importante, não quer perder depressa.
porque a vida é tão rara :D
E o nescau homemade da mamãe deixa as manhãs da sua vida mais aconchegantes, mais gastronomicas, mais gordinhas.

Nina, gordinha, em um texto que saiu muito tempo depois de ser concebido.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Contenidos

Esse silencio forçado, esse silêncio abafado, esse silêncio cortado pela respiração
Essa overdose ofegante, mais ofegante porque abafada, essa vontade contida, essas caras excessivas
Essas caras selvagens porque o ruído é domado
(Não somos contidos
Contidos estamos, em nós mesmos, e no quarto, e na sala, e no escuro)
Descontenhamo-nos, descontando em nós mesmos por vias diversas,
Contentes, constantes, cantantes e contidos.
Sorrisos desmedidos, sono abissal.



Nina, e esses contenidos ruidosos.

Kaleótico




O panoptico de Bentham não representa apenas a estrutura física que auxilia a estrutura disciplinar oferecida aos presos no século XVII. Trabalhada por Foucault já no século XX, a estrutura do panóptico foi levada adiante, como uma representação da vigilância a que a sociedade está sujeita nos dias atuais. O autor contemporâneao afirma que a observação e a disciplina permeiam toda a sociedade, e que não apenas instituições como a Igreja, a escola e a policia vigiam os indivíduos. Nós mesmos nos vigiamos: Vigiamos a nós mesmos, e aos outros.

Vigiar-se a si para andar na linha e vigiar ao outro, para que ele também ande, é papel inerente a todos nós, desde que conhecemos o que é normal. O normal é a linha. Mas uma linha é algo abstrato. Linhas podem ser representadas por uma corda. É difícil andar em cordas.

A loucura pode ser o que está fora da linha, ao lado da linha, tocando a linha. Porém, o que define a linha? Somos nós, nossos processos de disciplina para a manutenção da normalidade e da ordem. Somos nós os vigilantes do panóptico, apontando os comportamentos de nossos vigiados. Somos nós observantes e observados.

Luiggi Pirandello, em seu livro "Um, Nenhum, Cem mil", tenta encontrar a sua própria imagem no espelho. Porém, a imagem olha para ele, e assim que Gegê (nome do autor-personagem) enxerga-se no reflexo, já não é o mesmo Gegê que não tem olhos sobre si. Pirandelo queria flagrar-se a si, em um momento onde ele não estivesse sendo observado. Tarefa árdua. Ele afirma que a partir do momento onde pousam olhos sobre o individuo, esse já se modifica, para caber em moldes tais e tais.

No panóptico, os encarcerados recebiam uma determinação coercitiva. Segundo Foucault “o indíviduo se transforma no objeto de uma informação, nunca sujeito em uma comunicação” (p. 166). Taxar o individuo excluir a sua alteridade só o torna mais fragil e propenso ao poder dominador. Taxar indivíduos não é o importante. Vigiar e punir não é o fundamental.

Fundamental é saber que a linha da normalidade é uma corda que não deve amarrar e prender, mas servir de apoio para que as pessoas caminhem em bem-estar consigo mesmas. Que olhem para si, se vigiem em seu bem-estar, e que esse bem-estar seja o parâmetro de normalidade.

Nina - Editorial de loucura (com os erros de revisão, marca registrada da autora).

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Liberdade enclausurada



Eu, confesso, fui rude em dizer que você estava preso
Quando, na verdade, está claramente livre.
Mas, sendo sincero, mesmo eu estando preso
Estou livre na minha prisão
E você, orgulhosamente livre, está preso na sua escolha.
Desde o começo, eu admiti a ideia de você estar livre.
Per si, eu estou preso.
Mas estou aberto na possibilidade de eu estar livre.
Você, livre, mas preso na sua certeza, não admite a possibilidade de estar preso.
Errado na minha opinião sobre a sua liberdade, eu estava certo.
E você, certo sobre sua liberdade, estava errado em atitude.
Tranquilo, eu estou aqui, preso.
E você, angustiado e livre, não está.

Lucas.

(Agradecimentos especiais para Millôr)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Roda Gigante


Dai que Nietzsche falava sobre um tal de Eterno Retorno que é meio frustrante, meio reconfortante. Que fica no meio termo entre o copo metade cheio e o metade vazio. E entre tantos meios e metades que são esses, é que parece que criamos a nossa identidade. Parece que moramos no tempo que se repete indefinidamente, quando quer:

Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência”. (A Gaia Ciência)

Ora, meio que faz sentido. Não somos cada vez mais afeto e cada vez menos afecto com o passar do tempo? Não criamos raízes tão profundas que a direção do nosso crescimento se torna linear e previsível? Ao contrário da criança que aprendeu a falar agora, não somos mais um mundo de possibilidades. Somos um mundo de escolhas forçadas e, ao mesmo tempo, consentidas.

O bem e o mal, o prazer e o sofrimento, são instâncias complementares da realidade. E como a realidade não tem objetivo, pois se tivesse já teria o alcançado, a alternância entre elas é constante. Dado que o tempo é infinito, tudo se repetirá, inúmeras vezes, em “loops” eternos.

Há um certo desconforto confortado nessa ideia. Mas há também a segurança da previsibilidade daquele seu amanhã vindouro. Quanto a mim? Que venha. Quero viver tudo de novo, de maneiras diferentes. Topar e escorregar nos mesmos lugares e rir das mesmas contradições. Parece que, no final das contas, entrar na máquina do tempo não é só uma ilusão.

Lucas.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Rastro indelével.

Quem escreve, escreve muito. Aproveita metade de um sentimento pra fazer uma poesia inteira. Amiúde, uma poesia de sentimentos passageiros, com prazo de validade, daquela que daqui há dois meses será um não-sei-o-que sobre algo-aí. Mas em cada poeta, em cada prosador, há frases feitas. Frases que a vida o ensinou, regências e léxicos que foram aprendidos através dos sentimentos que duraram e que ficaram. Soluções banais para expressar sentimentos raros.  E usadas a todo momento pra mostrar o luto ou a alegria, acabam se tornando essa miscelânea de distinguidos iguais. Uma marca, uma assinatura disfarçada, figurante e protagonista do nosso livro em construção. Todo texto do mesmo autor é, ultimamente, o mesmo texto, reorganizado, ressentido, reamado, reembaralhado. É por isso que quando o fim de meus dias chegarem, embrulharei de herança um único texto, aquele meu último, que de um jeito ou de outro, carregará todos os sentimentos que eu tive na vida. E, até lá, acho que minha poesia está mesmo precisando me demitir como funcionário, os meus textos ficam muito melhor quando estão assim, sem mim.


Lucas.